MINEIROS DA PANASQUEIRA
"Enterrados vivos", os mineiros da Panasqueira, em grande parte oriundos do nosso concelho, heróis do trabalho, autênticas toupeiras humanas, furaram e esventraram a serra do Chiqueiro e o Cabeço do Pião, território situado na zona limítrofe dos concelhos da Pampilhosa da Serra, Covilhã e Fundão.
A expressão “enterrados vivos”, referindo-se aos mineiros, ouvi-a, por volta dos meus dez anos, no início dos anos 60, num sermão do padre Hermano de Almeida, falecido há poucos anos em Fajão, então pároco de Unhais-o-Velho. Ficou-me indelevelmente gravada na memória. Porque o meu pai era mineiro, certamente. A consequência foi a minha recusa em seguir o destino que, à partida, estava marcado para os filhos dos mineiros: ser mineiro. Essa era uma “tradição” nas famílias das Meãs.
As entranhas da montanha albergavam milhões em volfrâmio, cobre e estanho. Estão agora ao sol, os milhões de toneladas de resíduos da exploração de mais de cem anos na Panasqueira, Barroca Grande e Rio, os três núcleos das Minas. Mas há quem diga que o "monte" do dinheiro que dali saiu ainda é maior.
As Minas da Panasqueira tiveram um grande impacto económico e social (e cultural) nos concelhos da Pampilhosa da Serra, Covilhã e Fundão. Esse impacto foi maior nas povoações mais próximas das Minas da Panasqueira. As que mais influência sentiram foram, no concelho da Covilhã as das freguesias de Cebola (S. Jorge da Beira) Aldeia de S. Francisco, Casegas, Ourondo, Paul, Erada, no concelho do Fundão, Silvares, Barroca, Janeiro de Cima e Bogas e no concelho da Pampilhosa, Dornelas e Meãs, e outras da freguesia de Unhais-o-Velho, ou mesmo, Fajão e Janeiro de Baixo, já que a sua área de influência ia até mais longe. Das referidas povoações, quase todos os trabalhadores deslocavam-se diariamente. Faziam à volta de 20 quilómetros diários, ou mais, ida e volta. Por vezes, no regresso, ainda iam "dar uma mão" no amanho das terras, ajudando nas épocas das sementeiras ou colheitas quando o trabalho da mulher e dos filhos não era suficiente. Os de terras mais longínquas deslocavam-se semanalmente. Ao sábado regressavam à aldeia, faziam as suas tarefas agrícolas, assistiam à missa do Domingo e na segunda-feira de madrugada lá regressavam à Mina. Outros fixaram-se definitivamente na zona de exploração, constituindo as novas povoações da Panasqueira, Rio e Barroca Grande com muitos outros que vinham do Alentejo, Trás-os-Montes e Minho e que por cá ficaram.
A Mina permitiu manter muita população com um emprego bastante estável nas povoações mais próximas e, com uma certa complementaridade da pequena agricultura, algum desenvolvimento económico-social e um nível de vida aceitável para uma zona rural como a nossa. Mas isso tinha um preço elevado: as condições de trabalho eram terríveis. A somar à própria natureza da tarefa, ao local onde era exercida e aos terríveis perigos de acidentes, havia a doença profisssional: a silicose, provocada pela inalação do pó da pedra. Esta doença é incurável e consiste numa lesão permanente do pulmão provocada pela sílica da rocha, presente nas poeiras. Mais tarde ou mais cedo, dependendo de vários factores, a morte era uma sina precoce. Muito raros eram os mineiros que ultrapassavam os cinquenta anos. Nestas aldeias, as mulheres ficavam viúvas muito cedo. No concelho da Covilhã, S. Jorge da Beira era conhecida como a terra das viúvas. Viuvez e orfandade com o seu cortejo de miséria, mitigada pela solidariedade e pelo trabalho de todos nas pequenas courelas de magra terra. Mal dava para a "côdea". Logo que possível, a emigração para Lisboa ou para o estrangeiro. Ou, por atávica herança, a mina, outra vez.
O investimento da empresa concessionária das Minas na melhoria das condições de trabalho e segurança, pressionada pelos trabalhadores, sindicatos e, finalmente, pelas leis que foram sendo publicadas, permitiu alterar o panorama para melhor.
Logo após o 25 de Abril, quando a reivindicação e a força dos trabalhadores eram maiores, os mineiros da Panasqueira tinham dos melhores salários do operariado a nível nacional e eram uma influente força social. Nessa altura a exploração mineira estava em alta. A decadência começou nos anos oitenta, quando as crises cíclicas dos mercados e a desvalorização do volfrâmio, pela concorrência internacional, foram reduzindo as efectivos e enfraquecendo a exploração mineira. Hoje, as Minas ainda laboram. Têm cerca de duzentos mineiros, mas a crise é uma ameaça permanente. Mitigada pelas guerras que no mundo se vão dando.
Ao longo de todo o século XX, a marca das Minas exerceu-se na vida desta região. Foram muitas, as gentes que se movimentaram na sua órbita.
Recordemos algumas épocas e factos: na Segunda Guerra Mundial a corrida ao volfrâmio levou milhares de pessoas à garimpagem e ao contrabando e algumas enriqueceram. Muitos dos que tentaram o “quilo” e o “salt' e pilha” continuaram pobres, mas viveram a ilusão. Outros fizeram bons negócios e enriqueceram, fornecendo à mina, as madeiras para segurança do terreno no trabalho subterrâneo. Outros ainda, viveram do comércio e de pequenas indústrias que a existência das Minas proporcionava. E nas freguesias de S. Jorge e Aldeia de S. Francisco muitos proprietários venderam à Beralt Tin os terrenos que viriam a constituir o Couto Mineiro.
Os concelhos limítrofes forneceram à Mina serviços, mão-de-obra, madeira e electricidade (a primeira linha de alta tensão - em 1942 - da central da Barragem de Santa Luzia, dirigia-se para a Panasqueira). Uma boa parte do progresso destas terras e a menor desertificação desta região deve-se à existência da Minas da Panasqueira.
Existem muitas pequenas histórias de vida de gentes mineiras, marcadas e condicionadas pela mina.
Este pequeno texto é uma homenagem aos homens e mulheres que deram um grande contributo, pelo seu trabalho e pelo seu heroísmo à vida serrana e são, tal como os carvoeiros, os pastores, os ganhões, os lavradores e tantos outros, de vidas ignoradas e simples, o substrato humano da história desta região mineira.
Casimiro Santos
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